O portal de pedra da avenida Tiradentes

Centenas de presos políticos entraram no Presídio Tiradentes por esse arco, entre eles mulheres que foram trancadas em uma Torre centenária

Por Luiza Villaméa

Ele é imponente, mas poucos que passam pelo número 451 da avenida Tiradentes imaginam quanta história está por trás do portal de pedra bem rente à calçada. Em formato de arco e a 400 metros da Pinacoteca, o portal de pedra foi por décadas a entrada do Presídio Tiradentes, que também trancafiou presos políticos.

A vocação do Tiradentes para segregar presos políticos começou nos tempos do Estado Novo de Getúlio Vargas. Já famoso, o escritor Monteiro Lobato foi preso por criticar o Conselho Nacional do Petróleo, que, na sua opinião, favorecia empresas estrangeiras. Passou três meses isolado em uma cela, em 1941.

Presídio Tiradentes antes da demolição, no bairro do Bom Retiro, São Paulo (SP), Brasil. À esquerda encontra-se a Avenida Tiradentes; ao meio, a construção da casa de correção; ao fundo, à esquerda, é possível ver a Escola de Belas Artes; ao centro no fundo, está a torre da Estação da Luz. Foto Aurélio Becherini

Quase 30 anos depois, os presos políticos da ditadura instaurada em 1964 localizaram o xadrez do escritor e batizaram-no “Cela Monteiro Lobato”. Nessa época, as celas ficaram lotadas e dois pavilhões do Tiradentes foram destinados aos homens presos por combater o regime dos militares.

Pelo menos 132 mulheres também foram presas em São Paulo por atuar na resistência à ditadura. Só que elas ficaram em uma Torre isolada do resto do complexo prisional. Era uma construção centenária, redonda, com dois pavimentos. Bem no alto tinha janelas com grades e chapas de ferro à frente.

Essas mulheres chegavam depois de sobreviver a centros de tortura. Ainda assim, conseguiram transformar a experiência traumática em uma lição de solidariedade e de amor à vida. Conto como viviam no livro “A Torre – O cotidiano de mulheres encarceradas pela ditadura”, publicado pela Companhia das Letras.

Portal de pedra na avenida Tiradentes Foto Pedro Dias

Elas eram bem diferentes entre si, a começar pela idade, que variava de 18 a 55 anos. A origem social também era diversa – de operárias a integrantes da elite cultural e econômica, passando por estudantes de classe média recém-chegadas à universidade. Não concordavam em tudo, mas conviviam muito bem.

Em maio de 1973, a Torre foi esvaziada e demolida, tijolo por tijolo. Aliás, todo o presídio foi demolido, para a construção da Linha Azul do Metrô. Só o portal de pedra escapou da demolição. Em 1985, um movimento liderado pelo Sindicato dos Jornalistas culminou no tombamento do portal, como bem cultural de interesse histórico.

Na ocasião, o portal de pedra exibia uma placa de bronze com inscrições que homenageavam todos os homens e mulheres do país que “lutaram contra a opressão e a exploração”. Há muitos anos, porém, a placa desapareceu. Resta contar a história para que a memória não desapareça também.

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