Histórias de São paulo

Laercio Cardoso de Carvalho é guia de turismo cadastrado desde 1983. Com bastante vivência no Centro, criou vários roteiros temáticos e é o guia da Caminhada Noturna desde o seu início, em 2005. É professor no Senac nos cursos de formação de Guia de Turismo e nas Faculdades da Maturidade na PUC e na UNIP. Palestrante, é autor do livro "Quando Começou em São Paulo? 458 respostas pelo Guia de Turismo Laercio Cardoso de Carvalho”.

O endereço da Loira do Banheiro no Centro de São Paulo

Lenda urbana conhecida em várias cidades, essa história começa em um casarão no Centro de São Paulo

Laercio Cardoso de Carvalho

Você sabia que a “Loira do Banheiro”, a primeira, que deu origem a tantas outras pelo Brasil, morou no centro de São Paulo? E mais, que você pode visitar, passar algum tempo na casa onde ela morou? Fique tranquilo, pode ir ao banheiro sem medo, pois se ela não desejou morar lá em vida não vai ser depois de morta que vai ficar vagando por lá.

Onde fica essa casa? Na atual Rua Roberto Simonsen, 79, onde hoje funciona o restaurante Cama Café São Paulo, que é também um Ponto de Memória. Talvez você possa pensar que seja invenção do restaurante para atrair público, mas o Luiz e a Cleide, donos do restaurante, nem sabiam dessa história.

Numa manhã em 2022, quando o restaurante estava fechado para faxina, alguém toca a campainha querendo conhecer o espaço. Era o historiador Diego Amaro de Almeida, que pesquisou toda a história da “loira do Banheiro” e escreveu o livro “A Dama e o Conselheiro”.

Segundo suas pesquisas, ali morou o Conselheiro Francisco Antônio Dutra Rodrigues, nascido no Rio de Janeiro em 14/3/1845 e falecido naquela casa em 29/9/1888. Além de Conselheiro do Império, era vice-presidente da Província de São Paulo. Quando a Lei Aurea foi assinada, em 13 de maio de 1888, era ele quem estava presidindo São Paulo e relatou à Princesa Izabel como a notícia foi recebida por aqui.

Dutra Rodrigues era também professor catedrático de Direito Romano na Academia de Direito no largo São Francisco.

Conselheiro Dutra Rodrigues

Em 1 de janeiro de 1865, na Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, nasceu Maria Augusta de Oliveira Borges, filha de Francisco de Assis Oliveira Borges, mais tarde, Visconde de Guaratinguetá. Era importante fazendeiro, negociante, membro do Partido Conservador. Como era costume na época, os casamentos eram arranjados pelos pais, de acordo com interesses políticos e financeiros. O Visconde de Guaratinguetá também queria um bom casamento para sua filha e conseguiu.

No dia 1 de abril de 1879, no Palácio Episcopal (antiga residência da Marquesa de Santos), é realizado o casamento do Conselheiro Dutra com Maria Augusta, ele com 34 anos, ela com 14.

Maria Augusta de Oliveira Borges

Além da diferença de idades havia também a diferença da gênios. Ele era um homem apaixonado por sua profissão e por seus estudos, não tendo tempo para as coisas do casamento. Ela era uma moça cheia de vida, encantada com o mundo. O casamento não deu certo. Eles optaram então pela anulação do matrimônio. Em 25 de março de 1884, consta nos autos do processo movido pelo Conselheiro Dutra que ela se ausentou de sua companhia para não mais voltar. Só que ao invés de ir para casa de sua mãe foi para o Rio de Janeiro e depois para Paris. Tinha 22 anos. O casamento foi anulado em 1885.

Na Europa frequentou bailes e festas promovidos pela alta sociedade parisiense. No dia 22 de abril de 1891 faleceu, com apenas 26 anos de idade. Alguns dizem que foi em consequência de tuberculose, outros, que a causa foi hidrofobia. Não se tem certeza pois o atestado de óbito foi perdido na viagem. Seu corpo foi embalsamado e enviado ao Brasil. Chegou no Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1891. Verificou-se, então, que o esquife fora violado, joias pessoais foram subtraídas.

Maria Augusta de Oliveira Borges, em foto de quando morava em Paris

A mãe de Maria Augusta relutou em sepultar a filha, dizia que queria fazer para ela uma capela no cemitério Senhor dos Passos, em Guaratinguetá. O esquife ficava exposto em um quarto na casa da Viscondessa. Seu pai havia falecido 18 dias após o casamento em abril de 1879. Como estava embalsamada e a urna era de vidro as pessoas iam lá visitar e comentavam que parecia que ela estava dormindo. Uma noite Maria Augusta aparece em sonhos para a mãe e pede para ser sepultada, pois não era santa para estar ali exposta recebendo visitas. Finalmente foi sepultada, em uma capelinha branca.

Alguns disseram que viam uma silhueta deslizando por entre os túmulos.

Em 1902, a chácara do Visconde de Guaratinguetá, casa onde ela viveu e onde esteve por algum tempo seu corpo embalsamado, foi transformada em Escola Conselheiro Rodrigues Alves, ex-presidente do Brasil e que nasceu em Guaratinguetá. Em 1916 a lenda ganhou ainda com mais força, quando a escola sofreu um incêndio misterioso. A escola foi reconstruída, muitos relatam ouvir passos nos corredores e banheiros e as torneiras serem abertas sem que ninguém tenha tocado nelas. A explicação para seu aparecimento no banheiro, abrindo torneiras, seria em função da suposta doença que teria causado sua morte, a hidrofobia. O doente atacado por essa doença sente muita sede, mas não consegue beber água por problemas na garganta.

Os relatos de situações atribuídas ao fantasma de Maria Augusta foram se sucedendo, não apenas os dos alunos, mas também dos funcionários da escola. O piano, que diziam ter pertencido a Maria Augusta, tocava sem que ninguém estivesse lá. A situação mais impressionante aconteceu quando o diretor da escola, irritado com professores e funcionários que se recusavam a apagar as luzes e fechar as janelas de determinados andares do prédio, dizia que precisavam acabar com aquela conversa de fantasma. Mas os professores respondiam “é complicado, ela aparece, as luzes se apagam, sentimos o cheiro do perfume, escutamos o piano tocando sozinho. É ela, é a Maria Augusta”. O diretor já irritado disse: “não me falem mais dessa lorota, não me falem mais de Maria Augusta”. A reunião era realizada em uma sala onde se encontra a foto dela e nesse instante a luminária despregou-se do teto e caiu sobre a mesa do diretor. Pouco se sabe o que aconteceu depois disso, mas uma coisa é certa: o diretor ficou um tempo sem retornar à escola.

A história foi ficando mais forte, não desapareceu com o tempo. Em 1996, uma funcionária da escola relatou ouvir piano tocar sem ninguém estar por perto, uma inspetora da alunos disse ter visto o fantasma de Maria Augusta passando pelo corredor.

Depois a história da “Loira do Banheiro” se espalhou por vários locais do Brasil.

Você no seu tempo de escola, aluno de curso noturno, já se deparou com a “loira do banheiro”?

Restaurante Cama e Café

Todas essas informações foram recolhidas do livro “A Loira do Banheiro – A Dama e o Conselheiro”, de autoria de Diego Amaro de Almeida, Mestre em História Social pela PUC de São Paulo, licenciado em História pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

O livro pode ser adquirido na casa onde Maria Augusta morou com o Conselheiro Dutra Rodrigues, na Rua Roberto Simonsen 79, onde o restaurante Cama Café São Paulo funciona de segunda a sexta-feira, das 11h às 16h, e eventualmente aos sábados, quando há alguma atividade cultural.

Restaurante Cama e Café, que ainda mantém o piso original

Aproveite para conhecer a exposição de fotos sobre o Conselheiro e a Loira do Banheiro.

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