Histórias de São paulo

Laercio Cardoso de Carvalho é guia de turismo cadastrado desde 1983. Com bastante vivência no Centro, criou vários roteiros temáticos e é o guia da Caminhada Noturna desde o seu início, em 2005. É professor no Senac nos cursos de formação de Guia de Turismo e nas Faculdades da Maturidade na PUC e na UNIP. Palestrante, é autor do livro "Quando Começou em São Paulo? 458 respostas pelo Guia de Turismo Laercio Cardoso de Carvalho”.

Os cemitérios não tradicionais do Centro de São Paulo

Igrejas, capelas privadas, cripta e até a Faculdade de Direito: veja locais não tradicionais que servem de cemitério no Centro de São Paulo

Laercio Cardoso de Carvalho

Você sabia que na área central de São Paulo, embora não tenha nenhum cemitério, tem até hoje várias pessoas sepultadas?

Não estamos falando de cemitérios que já não existem mais, como o cemitério na Liberdade, instalado em 1775 e onde foram enterrados os enforcados e os indigentes até agosto de 1858, quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação e ninguém mais foi enterrado lá. Oficialmente, todos os restos mortais foram transladados para o Consolação – se bem que há algum tempo foram encontradas ossadas humanas em obras na base de prédio construído no terreno onde ficava o cemitério.

Vamos falar de lugares conhecidos com identificação dos sepultados.

Comecemos pela Catedral da Sé, onde no subsolo existe uma cripta, uma capela mortuária com 30 gavetas. Lá estão sepultados os bispos de São Paulo, cardeais que aqui foram arcebispos. Estão também os restos mortais do cacique Tibiriçá, do padre Feijó, que foi político, senador, regente do Império na minoridade de D. Pedro II, e do Padre Bartolomeu de Gusmão, santista, inventor do balão aerostático, que faleceu em Toledo, na Espanha, em 1724 e em março de 2004 teve seus restos mortais trazidos para a Catedral da Sé. O mais recente sepultamento foi o de D. Claudio Hummes, em julho de 2022. Ele foi o arcebispo de São Paulo que promoveu a reforma da catedral da Sé, entre 1999 e 2002.

No pátio da Faculdade de Direito no Largo S. Francisco está o túmulo de Júlio Frank, professor do curso preparatório da Faculdade de Direito. Nasceu na Alemanha em 1809 e faleceu em São Paulo em 1841 e, por não ser católico e não pertencer a nenhuma irmandade, não poderia ser sepultado em igreja. Na época não existia um cemitério público, só o dos enforcados. Seus alunos não quiseram que ele fosse sepultado ali, então o sepultaram no pátio da faculdade. Está em um belo túmulo, protegido por grades trabalhadas e onde se pode ler sua história. O local pode ser visitado.

Ao lado da faculdade está a igreja da Ordem Primeira Franciscana e, ao lado dela, a igreja da Ordem Terceira Franciscana, a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco da Penitência. Várias pessoas da elite paulistana estão lá sepultadas, entre elas o Brigadeiro Tobias de Aguiar, falecido em 1857, que foi Presidente da Provincia de São Paulo e criador em 1831 da Força Policial, hoje Polícia Militar. Ele era membro dessa Irmandade e por isso que está sepultado ali.

Na Rua Tabatinguera, número 104, está a Capela de Santa Luzia, Menino Jesus de Praga e Nossa Senhora da Cabeça. No frontispício está escrito “capela feita a expensa da finada Ana Maria de Almeida Lorena Machado. Inaugurada em 13 de dezembro de 1901. Orai por ela.” Era neta de D. Bernardo José de Almeida Lorena, o Conde de Sarzedas, e rica proprietária de uma grande chácara onde está hoje a Rua Tabatinguera e a Rua Conde de Sarzedas.

Capela de Santa Luzia

Como desde 1858 não se pode enterrar mais ninguém em igrejas, e ela construiu em sua propriedade uma linda capela para nela ser sepultada. Faleceu em 1903 e junto ao altar mor se pode ver uma lápide que indica que ela realizou seu objetivo.

Túmulo de Fernão Dias

No piso da Basílica de São Bento, em frente ao altar mor, uma placa de bronze indica que ali está a “sepultura de Fernão Dias Pais Leme, Governador das Esmeraldas, nascido em 1608 e falecido em 1691 e de sua mulher Maria Garcia Rodrigues Betim falecida em 1691. Grandes benfeitores dessa abadia. Para este jazigo llhes transladou os restos mortais. A gratidão beneditina. Agosto de 1922.” Nessa data, após a conclusão da basílica que conhecemos, com a presença de autoridades civis, militares e eclesiásticas os despojos foram transladados para o novo túmulo. Fernão Dias patrocinou a reconstrução da igreja e do mosteiro em 1650, por isso a gratidão dos monges.

Nos jardins do Mosteiro estão sepultados os monges que ali viveram. Todos os anos, no Dia de Finados, após a missa, os fiéis são convidados a visitar os túmulos.

Há também um cemitério particular no Mosteiro da Luz. Nos jardins são sepultadas as irmãs que passaram a vida em clausura.

Túmulo de Frei Galvão

Na igreja do Mosteiro está sepultado São Frei Galvão (Antônio de Santana Galvão), o primeiro santo brasileiro. Canonizado em São Paulo no Campo de Marte, em 2007, pelo Papa Bento XVI, rara exceção e grande homenagem ao Brasil, pois as canonizações acontecem sempre em Roma. Nascido em Guaratinguetá, em 1739, passou a maior parte do tempo em São Paulo, construiu o mosteiro da Luz, morava no Convento de São Francisco, ia todos os dias lá para trabalhar com construtores e pedreiros na obra do convento e para dar assistência religiosa às irmãs. Quando ficou doente, ficou alojado no Mosteiro da Luz para ser cuidado pelas religiosas, vindo a falecer ali em dezembro de 1822 e ali foi sepultado junto ao altar mor. Seu túmulo está sempre rodeado de flores.

Viram quantas pessoas ainda estão sepultadas na região central de São Paulo? Inclusive está também sepultado o primeiro santo brasileiro, privilégio de nossa cidade.

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