Galerias do Centro de SP – percorrer e [re]escrever suas histórias
As galerias comerciais do Centro foram criadas como espaços de sociabilidade, de encontro, respiros em meio à vida urbana
Wans Spiess
Para acompanhar o caminho:
Uma música: Sampa | Caetano Veloso – clássica! Na playlist #quercaminharcomigo no Spotify.
Uma reflexão: “Uma cidade se lê com os pés, e se escreve com os olhos.” — Livre adaptação do pensamento de Walter Benjamin.
Você já sabe, moro no centro de São Paulo. Centrão, mesmo! Muitas vezes, meu dia começa atravessando a cidade a pé e de metrô, como tantos outros que fazem disso um hábito, uma necessidade ou um prazer. Cada saída de casa é um reencontro com a cidade – seja desviando dos ambulantes na calçada, parando para um café com pão na chapa na padaria, a impotência triste pelas pessoas em situação de rua, cruzando as ruas de olhos atentos ao ritmo dos sinais e das pessoas. Gosto de sentir o chamado da rua.
Vejo a cidade como camadas e ando por elas como um exercício de leitura, quase como decifrar um texto urbano. Cada esquina traz uma história, cada galeria um caminho alternativo, cada calçada uma lembrança impressa em seus ladrilhos. E é verdade que algumas das minhas melhores caminhadas são aquelas feitas fora da rotina, sem destino certo, errantes como os flâneurs do século XIX — figuras eternizadas por Baudelaire e depois estudadas por Walter Benjamin, que viam no ato de andar uma forma de compreender o mundo.
Lembro também dos cronistas que escreveram sobre essa experiência em São Paulo. Mário de Andrade gostava tanto de perambular pela cidade que, no poema Quando eu morrer, pedia que cada membro do seu corpo fosse enterrado em uma rua diferente: “Meus pés enterrem na rua Aurora, / No Paissandu deixem meu sexo, / Na Lopes Chaves a cabeça, / Esqueçam. / No Pátio do Colégio afundem / O meu coração paulistano: / Um coração vivo e um defunto / Bem juntos…”
Já Rubem Braga, capixaba que chegou a São Paulo ainda um jovem repórter, dizia que gostava de vagar pelas calçadas formigantes da cidade, sem destino certo, sentindo o peso e o encanto de ser um desconhecido na multidão. Antônio Maria, pernambucano que se tornou conhecido como cronista da noite carioca, uma vez em São Paulo decidiu seguir caminhando mesmo sob uma chuva torrencial, deixando que a cidade o lavasse e o libertasse de pensamentos passados.
Mas caminhar pela cidade pode ter muito mais do que introspecção. Melhor exemplo? No meio do concreto e da pressa cotidiana, as Galerias Comerciais foram criadas como espaços de fluidez e sociabilidade. Diferente dos shoppings fechados que vieram depois e separam a cidade entre “dentro e fora”, essas galerias nasceram abertas para o público, convidando ao encontro, à troca, à convivência. Elas conectam calçadas, atravessam quarteirões, misturam culturas e narrativas, entre lojas de vinil, alfaiates antigos, livrarias e cafés. Elas foram feitas para serem atravessadas, vividas, habitadas. Você já teve essa experiência?
Nos anos 1950 e 60, passear pelas galerias era um programa social por excelência. Foram ponto de encontro de artistas, jornalistas, boêmios, trabalhadores, apaixonados… Os cinemas, as confeitarias e os cafés das galerias eram espaços de sociabilidade, onde a cidade se fazia presente na troca de olhares e de palavras. Elas representavam a São Paulo em seu sentido mais generoso: um lugar onde o acaso dos encontros fazia parte da experiência urbana.
Ao entrar nessas passagens, há um tempo diferente que se impõe. Os passos ecoam nos pisos, os olhos passeiam por vitrines e letreiros. Quantas conversas nasceram nesses corredores? Quantas histórias tiveram suas primeiras linhas escritas entre uma escada rolante e um café improvisado no balcão?
Pensando nessas conexões, lembrei do trabalho da Susana Fujita, que resgata um gesto tão simples e ao mesmo tempo tão potente: escrever cartões postais. Quem ainda escreve cartas? Quem ainda envia postais? Parece coisa de outra época, mas talvez seja exatamente isso que os torna tão especiais. No tempo acelerado das mensagens instantâneas, escrever para alguém exige uma pausa – um instante de presença e intenção. Escolher as palavras, a caneta, o papel. Imaginar o caminho que aquelas palavras percorrerão até chegarem às mãos de quem as recebe.
Assim, caminhar e escrever carregam entre si gramáticas bastante semelhantes. O caminhar produz textos – ora dispersos, ora alinhados. Há trechos lineares, há digressões. Andar é uma escrita que se refaz a cada esquina, e as ruas são páginas a céu aberto. O que sentimos ao percorrê-las? O que permanece quando o trajeto termina?
Veja fotos de galerias comerciais no Centro de São Paulo:
Inspiradas pelas galerias, pisos e calçadas, escritas e encontros, eu e minha amiga Paula Janovitch – antropóloga, doutora em história social pela USP e pesquisadora das Galerias Comerciais do Centro – queremos te convidar para uma vivência única. Um percurso que nos leva a subir e descer espaços icônicos, atravessar passagens ocultas, despertar memórias e afetos.
Ao final, uma surpresa: esse trajeto se materializa em papel e caneta, um instante para desenvolver um pequeno gesto de afeto que, assim como os passos, também deixa rastros. Como? Apenas os participantes vão saber!
A vivência Descoberta de Galerias, Pisos e Afetos acontece no próximo sábado, 29 de março, a partir das 10h. Se você, assim como eu, quer experimentar uma jornada diferente pelos caminhos do centro, entre em contato com a gente.
Para detalhes de valores, ponto de encontro e percurso, mande uma mensagem para o meu WhatsApp (11) 99203-6827.
Nos vemos lá?
Abraço,
Wans
Leia também: Como as pessoas se locomovem no Centro de São Paulo